quinta-feira, 2 de abril de 2015

Estonteante fome, áspera e cruel

"Frémito do meu corpo a procurar-te, 
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...

E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas..."


Frémito do meu corpo, Florbela Espanca.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Mar grande

Mar grande à vista.
Olas y más olas.
É o mar que me confunde.
O som.
A batida e explosão.
Eu que sempre fui tão líquida.
Tão salgada quanto doce.
Até em chuva...
Ácida de Cubatão.
Eu que fui tão barco, tão porto, tanta solidão.
Hoje sou mata-selvagem.
Aprisionada em tons de verde.
Entre troncos, madeira e aranhas.
Pássaro capturado.
Tão perto do mar novamente.
Tão longe da razão.
Dioniso exigindo sua bacante.
Apolo renegando sua pitonisa.
O destino que nunca é o que queremos.
É a noite que me possui todos os dias.
24 horas.
Mata-selvagem.
Escura, indecifrável e quente.
Semi-selva.
Ainda sou a água que te constitui...
Vou escapar.
Sempre vou escapar.
Pássaro rebelde.
Tão disposto ao céu.
À vida.
Mar grande à vista.
Céu...